”Mudei meu estilo de vida para doar um rim”
Sou Mais Eu Digital, Portal UOL, 21 de julho de 2015
Eu não dava a mínima para a minha saúde. Ia todos os dias para o bar com os amigos pra tomar umas brejas e fumava um maço de cigarro por noite. Além disso, me alimentava muito mal. Tomava só um café preto às 7 h e almoçava só lá pelas 13 h. Como ficava todo esse tempo sem comer, fazia pratos gigantes com bastante arroz, feijão, batata frita, frango frito, salgadinhos… E nada de salada. Para acompanhar, me entupia de refrigerante. Água? Só quando tinha sede mesmo. Exercícios? Que nada! Não tinha tempo nem vontade. Mas tudo isso mudou quando meu sobrinho precisou de mim para salvar sua vida…
O Alessandro, filho da minha irmã, descobriu uma doença nos rins com 8 anos de idade. O nome é Síndrome Nefrótica. Seus rins não estavam filtrando as toxinas do corpo direito. Isso causava inchaço e dores nos membros. Por isso, ele fazia um tratamento com remédios. Mas, aos 18 anos, o Alê se rebelou e parou com o tratamento por dez anos. E aí teve que pagar um preço alto por isso: em 2011, quando estava com 28 anos, ele descobriu que só tinha 10% dos rins funcionando e que precisaria fazer sessões de hemodiálise para filtrar seu sangue.
Logo depois que o médico deu o diagnóstico, veio a pior parte: meu sobrinho precisava de um transplante de rim urgentemente. Caso contrário, ele só teria mais 24 meses de vida. Quando minha irmã veio conversar comigo, ela já tinha perdido as esperanças. Todos na família já haviam feito o teste e não eram compatíveis. Para piorar, meu sobrinho era o número 2 mil e lá vai cacetada na fila do transplante.
Decidi fazer o teste e, para a alegria de toda a família, eu era 99% compatível com o Alessandro. Mesmo sabendo que eu podia salvar a vida dele, demorei dois meses para decidir que ia fazer a doação, principalmente por causa da minha idade – 54 anos na época – e do meu estilo de vida. Esses fatores elevavam o risco de complicações durante a cirurgia de transplante. Mas me dei conta de que seria muito egoísmo deixar o medo falar mais alto e decidi que ia, sim, doar uma parte de mim em troca da vida do meu querido sobrinho.
Fiz uns 80 exames e, com os resultados, surgiram alguns empecilhos. Meu colesterol superalto, o sobrepeso, meus péssimos costumes alimentares e o hábito de fumar impediam que a cirurgia fosse feita de imediato. Eu tinha que mudar tudo em minha vida. Sabia que seria difícil, mas estava disposto a fazer qualquer coisa ao meu alcance para ficar bem e ter condições de doar um dos meus rins.
O médico teve uma conversa franca comigo. Disse que, além de mudar todos os meus maus hábitos, eu teria que começar a me exercitar. A primeira coisa que fiz foi cortar o cigarro de uma vez. Também parei de consumir fritura e beber refrigerante e passei a comer de três em três horas. Meus pratos ficaram mais enxutos, coloridos, cheios de verduras e legumes.
Além de tudo isso, comecei a fazer atividade física. Caminhava três vezes por semana, cerca de 6 km por dia. Aos domingos, com sol ou chuva, pedalava cerca de três horas seguidas. Ufa! Nada me faria desistir. Minha vontade de salvar meu sobrinho era muito maior que todo o sofrimento.
O transplante também me beneficiou!
Por prevenção e por causa do colesterol alto, precisei fazer um cateterismo, exame que mapeia as artérias para saber se nenhuma delas está entupida. Estava tudo bem, graças a Deus. Perto da data do transplante, fiz mais alguns exames. Além de ter perdido 7 kg – passei dos 101 kg para os 94 kg –, meus níveis de colesterol ficaram controlados e eu estava totalmente apto para fazer a doação!
Eu e o Alessandro fomos internados no dia 4 de maio de 2012. Às 14 h, os médicos retiraram meu rim e depois de alguns minutos ele foi implantado no meu sobrinho. Que alegria saber que estava salvando uma vida tão jovem! O Alessandro se recuperou completamente, sem sequelas nem limitações, e passou a ter uma rotina normal. Ficou novinho em folha!
Meu sobrinho me agradece até hoje. Mas a verdade é que eu também me beneficiei com tudo isso. Abandonei todos os meus hábitos ruins e agora levo uma vida mais saudável. Antes, eu dava uma pequena caminhada e já ficava todo suado e cansado. Agora dou piques e pedalo um tempão com a maior disposição. Nunca mais coloquei refri e cigarro na boca e bebo 2 litros de água por dia, além de me alimentar bem. É uma vida totalmente nova!
O único problema de ter apenas um rim é que, se ele falhar, também vou precisar de um transplante. Por isso, cuido muito bem do meu. Hoje, quando eu e o Alessandro nos encontramos, sempre brinco com ele: “É, Alê, você tem 34 anos, mas seu rim tem 58!”. E aí a gente cai na risada!
“Até meus 18 anos, eu seguia o tratamento para os rins à risca. Mas acabei perdendo a paciência com todos aqueles medicamentos e restrições e decidi parar por conta própria. Resultado: aos 28 anos, tive de fazer hemodiálise porque meus rins não filtravam mais meu sangue direito. Quem me livrou de tudo isso foi o meu tio. Quando soube que ele doaria um dos rins pra mim, fiquei muito aliviado, pois eu tinha menos de 24 meses de vida. Até hoje lembro da noite anterior ao transplante. Ficamos internados no mesmo quarto e conversamos toda a madrugada. Eu não conseguia parar de agradecê-lo. Serei grato pelo resto da vida. Afinal, é uma parte dele que me mantém vivo.”
Como estava com os níveis de colesterol muito altos, o Luiz precisou mudar seus hábitos para não causar nenhuma complicação na hora da cirurgia do transplante. O presidente da Sociedade Brasileira de Nefrologia, João Damasio Simões, explica que, “durante a operação, se os níveis de colesterol estão altos, o sangue fica mais grosso e pode chegar em pouca quantidade a alguns órgãos, principalmente ao coração e ao cérebro. Isso pode causar um AVC, uma parada cardíaca e até levar à morte”. O especialista alerta que é muito importante manter uma vida saudável, pois qualquer cirurgia oferece risco. “Quando um procedimento precisa ser feito às pressas, pode haver mais riscos se a pessoa não cuidar bem da sua saúde”.
LUIZ ROBERTO DOS SANTOS, 58 anos, corretor de seguros, Belo Horizonte, MG e ALESSANDRO FERREIRA, 34 anos, gerente de compras, o sobrinho do Luiz
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